Aldeia Maracanã e Aaron Swartz ou a truculência da modernidade


 Em meio a efervescência da defesa, civil e pela Internet, para preservação do espaço que abriga a Aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro, e contra a demolição do casarão centenário para a construção de um estacionamento ao lado do Maracanã, para a Copa em 2014,  percebi que dois fatos me chamavam atenção, aparentemente isolados e distantes: a mobilização virtual pelo respeito ao espaço público e a morte do menino de 26 anos, nos Estados Unidos, que tinha como meta de vida o compartilhamento de informação e o respeito pelo bem público em favor do outro.

Arroba
Foto: Mara Cecília on Flickr. Click
Quando o mandado não "surgiu", às 18h daquele dia 12 de janeiro, e as tropas do governo estadual saíram do local, a sensação que tive foi que algo, de fato, havia acontecido. E tinha: a sociedade civil se manifestou em torno de uma causa púbica, de valor cultural e patrimonial para nossa história e nosso futuro, respeitando  culturas e a memória social, movimentando os olhos de meia parte do mundo, colocando no ar on-line e em tempo real a arbitrariedade anunciada pelo governo carioca, que foi impedida pela força pública, sem violência, sem guerra física.  A "guerra" foi  real,  pela Internet e pacífica no local.

A morte de Aaron Swartz  por suicídio, aos 26 anos, respondendo um processo que a pena lhe custaria até 35 anos na cadeia e um milhão de  dólares a serem pagos aos cofres do governo americano, lembrou-me que  o ciberativismo é um movimento sério de emancipação do controle da informação e que são os jovens, que não nasceram no analógico, os que desvendam os caminhos do compartilhamento da informação de maneira mais eficaz e sem preconceito, por direcionamento, foco, foco nos seus interesses e de outrem, na utopia por uma sociedade  onde o acesso ao conhecimento não pode ser cobrado, ou negado, por detentores da indústria que controlam e enriquecem da produção intelectual do outro, do autor, apartado da sua obra. A analogia foi rápida.

Foto: Victor Silva/Jornal do Brasil
A Aldeia Maracanã,  nome dado pelos índios que passaram a habitar, em 2006 o prédio construído em 1862, onde funcionou o Sistema de Proteção ao Índio (SPI), na década de 50, que em 1961 foi extinto dando origem à FUNAI e hoje abriga 8 etnias ( Apurinã, Guajajara, Kaingáng, Pankaruru, Pataxó,Puri, Tuccano e Tupi-Guarani), e  recebe indígenas de passagem pelo Rio. É onde Darcy Ribeiro fundou, junto com um grupo de intelectuais, o primeiro Museu do Índio da América do Sul, que ali funcionou entre 1958 e 1977. O prédio já foi construído com este propósito, segundo o "Diário da Liberdade", um site português que conta a história da Aldeia Maracanã. Como trata-se de assunto que interessa a humanidade, de imediato chamou a atenção  mundo afora,  trabalho construído entre entidades civis, parlamentares, Ministério Público e o grupo de representantes de várias nações indígenas moradores do prédio, que se prepararam juridicamente e distribuíram informação antecipada para esta batalha. Durante o dia 12 de janeiro, o que eu pude presenciar foi um crescente interesse que se espalhava pela Internet, como um vírus. Imediatamente o trabalho de resistência  passou a ser o 3º assunto mais discutido no mundo virtual e vários sites começaram a receber imagens ao vivo do que acontecia naquele casarão caindo aos pedaços pelo abandono do Estado e cheio de vida no seu interior. A mobilização foi tamanha que veículos com a BBC News e a TV All Jazera noticiavam on-line. O canal stream "aldeamaracana" transmitia  ao vivo. O passado e o presente ali tentando unir as culturas.
Logo cedo  uma foto do Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas chamou minha atenção e fui acompanhando de acordo com a disponibilidade que tinha. Parecia que eu estava dentro do casarão, que ainda não visitei, e conectada aos fatos, ouvindo, vendo, publicando o que se noticiava pela Internet. Percebi que vários também estavam postando na rede em defesa da mesma causa.
Ao final do dia, a mobilização real e virtual da sociedade civil expuseram as mazelas dos governo do estado e do município do Rio de Janeiro e as possíveis irregularidades nas licitações e contratos para as obras de infraestrutura da Copa de 2014. Se a arbitrariedade da demolição do casarão seria consumada por outra, a invasão da polícia, ela foi contida pela mobilização social e internacional, pela disseminação da informação em tempo real e união em torno de um mesmo ideal.  O governo foi acuado silenciosamente, apenas com imagens e palavras.

http://www.flickr.com/photos/jewschool/6722393349/in/photostream/
Não tive como não relacionar com o suicídio de Aaron Swartz que também acuou o sistema de segurança de um Estado. O rapaz nasceu na atmosfera da computação. Seu pai foi empresário  de softwares e trabalha no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), instituto que aprendeu a conhecer desde menino. Navegava, então, pelo mundo digital e do conhecimento científico, tornando-se um programador e colaborador do mundo virtual desde cedo. Aos 13, foi premiado com o trabalho " Rede de Informação" pela ArsDigita Prize  que promove  "jovens que criaram úteis, educacionais e colaborativos sites não-comerciais da Web" . Era ano 2000. Aaron cresceu, assim, cercado de interesses pelo compartilhamento de informação e conhecimento. Em 2001, com 14 anos, participou do grupo que criou a RSS,  este caminho que nos permite inscrever-se para receber notícias atualizadas dos sites que nos interessam, on-line. Avanço ímpar na distribuição de informação personalizada, de interesse pessoal.  Em 2002 esteve presente ao lançamento do Crative Commons como colaborador de Lawrence Lessig, que é ativista e acadêmico americano, além um dos fundadores da CC. Tinha 15 anos, então.
Sua utopia era a cultura livre . Suicidou-se enforcado em seu apartamento em  Nova York, dia 11 de janeiro de 2013. Em junho de 2011, Aaron  fora indiciado por um juri popular com a acusação de supostamente haver baixado quase 5 milhões de documentos científicos do JSTOR, site que vende download de textos de revistas científicas e literárias  e do MIT ( Instituto de Tecnologia de Massachusetts ), ali hospedado e que também reúne textos acadêmicos e cobra por limitados downloads de pesquisas e documentos que na maioria das vezes foi custeado pelo dinheiro público.

Após a morte de Aaron, a  promotoria em Boston rejeitou as acusações .

Na acusação, a juíza Carmen Ortiz foi contundente: "Roubo é roubo, não interessa se você usa um computador ou pé-de-cabra e se você rouba documentos, dados ou dólares". E o "roubo" a que ela se referia fora de textos científicos que o ativista não aceitava que fossem privados, pertencente a um instituto ou empresa  para fins de lucro ou apenas de demostração de poder, como no caso da academia,  representada aqui pelo MIT . Como ativista do compartilhamento de informação desde menino, sua bandeira era a liberdade na Internet, de autoria, de navegação, de reprodução da cultura pelas lentes e letras do homem, para enriquecer o homem de conhecimento e de reconhecimento da sua própria história, sendo proprietário do seu saber sem por isso ser possuidor. A luta principal de Aaron era com o grande capital e as instituições que se apropriam da produção intelectual do agente da obra, seja ele o autor, produtor ou o consumidor. Foi contra, principalmente, às leis que regem a segregação e querem impedir a liberdade de nos conectarmos. Em um dos seus discursos após a derrota do SOPA, do qual foi opositor ferrenho, Aaron afirmou que há um monte de gente poderosa querendo reprimir a liberdade na Internet. São poderes em decadência, incapazes de aceitar a nova ordem que se solidifica.
A ideologia que o levou à morte fortaleceu uma causa a favor da  rede livre e aberta. Indicou que a saída já está colocada e que é difícil parar o processo de compartilhamento em detrimento do capital. Não há mais porque conter o conhecimento como propriedade de poucos, como produto vendável. Não dá mais para achar que se direciona a informação em função apenas do capital. As licenças precisam  ser coletivas e a cultura voltar a ser um bem público de representação da condição de sermos humanos.

A Aldeia Maracanã passará por um processo judicial onde o governo do estado reclama a posse do patrimônio e a remoção dos índios que ali habitam. As entidades civis estão conectadas na luta pela preservação do espaço, tombamento do prédio e preservação das culturas ali representadas pelas 23 famílias residentes.
O funeral de Aaron será amanhã, dia 15 de janeiro, em Highland Park, Illinois, onde nasceu. Em sua homenagem pesquisadores do mundo inteiro disponibilizaram PDFs pelo Twitter e  "membros Anonymous entraram no site do MIT, substituindo a página de título com uma homenagem a Swartz"( da página http://en.wikipedia.org/wiki/Aaron_Swartz em 14/01/2013).

Aqui em Pindorama, também em sua homenagem, devemos pensar com muita responsabilidade sobre o que faremos com o Marco Civil da Internet no Brasil.

Mara Cecília

Links visitados em 14/01/2013

Pesquisadores publicam PDF pelo Twitter em homenagem à Aaron
Jornal do Brasil explica juridicamente o caso da Aldeia Maracanã
Notícia no Terra sobre a morte de Aaron Swartz
Matéria exibida pela Tv Brasil em 13/01/2013 sobre a Aldeia Maracanã
Entrevista com Sergio Amadeu Silveira sobre o Marco Civil

Links visitados em 16/01/2013
Artigo sobre Aaron da  www.thenewstribe.com

Links visitados em 17/01/2013
Livros sobre o cerco aos ciberativista
Sobre o funeral de Aaron
União tem 10 dias para recorrer da demolição da Aldeia Maracanã

Links visitados em 19/01/2013
Página publicada pelo Anonymous, no site do MIT, em homenagem à Aaron
Excelente site da Aldeia Maracanã

Links visitados em 21/01/2013
Artigo sobre ciberativismo do Professor Pedro Rezende
Matéria de Eline Brum para Revista Época

Comentários

Postagens mais visitadas